quarta-feira, 28 de novembro de 2012

DEPRESSÃO



Foto: Duvido que essa capa de Veja receba metade, um quarto, um décimo das críticas dedicadas a várias outras edições da revista, especialmente quando ela se põe a denunciar e atacar (com um conceito bem próprio de "jornalismo", claro) pessoas e grupos ligados aos atuais detentores do poder. Mas para mim essa capa é bem mais perniciosa, rasteira e traiçoeira do que as "denúncias" de Marcos Valério ou as cretinices sobre o "novo momento" na luta contra a corrupção no Brasil. Essa capa é perigosa porque mente sobre o mundo todo em que a gente vive - um mundo que potencializa psicopatias ao grau epidemia e que, em seguida, descobre algum fármaco capaz de nos "curar" da doença que ele próprio cria e dissemina. 

Depressão não é gripe, não é virose, algo que se pega ao acaso e que se pode curar com remédio, cama e repouso. Depressão é o aspecto mais visível de um mundo doente, desumano, desumanizado e desumanizador - um mundo onde a gente tem tarefas, tem metas, precisa correr incansavelmente contra o tempo, mas onde a gente não se enxerga no nosso irmão e onde tudo se mostra esvaziado de significado. Um mundo onde o outro é uma ferramenta, onde eu próprio sou uma ferramenta, onde eu devo sempre me afastar do outro e onde se exige do ser humano, esse animal social por natureza, que coloque a si mesmo não apenas como centro, mas como norte de todas as coisas. Onde a solidão é denominador comum e eu tenho que encher a boca para dizer que eu sou mais eu. Onde tiraram do homem tudo que era chão, tudo que era significado, e substituíram por coisa alguma. Um mundo repleto de estímulos e carente de amor.

Depressão existe há muito tempo, claro. Mas é a epidemia da nossa época. E pretender curar a depressão com uma pílula (e ilustrar isso na capa de revista como algo positivo, uma grande conquista) é promover a continuidade da moléstia e mais, incentivar que ela se multiplique e se torne ainda mais esmagadora e cruel. É incentivar que nos tornemos dependentes de mais uma bengala, de mais um processo químico que alivie a dor da existência insuportável em um mundo cada vez mais insuportável. Isso sem contar que a Veja não teve a ideia da brilhante capa por altruísmo ou qualquer coisa assim: certamente o faz em nome da saúde de seu departamento comercial, já que o comprimido é feito por um laboratório e o laboratório investe grana em publicidade para seus produtos - que nunca curam, apenas promovem um "tratamento" perpétuo. Ou o Prozac curou multidões por aí e só eu não vi?

Cura da depressão? Só mudando bastante coisa no mundo em que a gente vive. Boa parte de suas lógicas, inclusive Botando bem mais afeto e bem menos sucesso na fórmula, por ex. Mas aí ninguém quer, claro - ninguém vai fazer capa dizendo "Bem-sucedidos e infelizes: a epidemia global da depressão" ou qualquer coisa do tipo. Vamos apostar no comprimido, pessoal. Afinal, cada um com sua divindade, não é?  

Por isso eu digo: muitas capas da Veja me irritam. De outras, eu só dou risada. Mas essa sim, me deixa muito, muito revoltado. De verdade.
Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade
Duvido que essa capa de Veja receba metade, um quarto, um décimo das críticas dedicadas a várias outras edições da revista, especialmente quando ela se põe a denunciar e atacar (com um conceito bem próprio de "jornalismo", claro) pessoas e 

grupos ligados aos atuais detentores do poder. Mas para mim essa capa é bem mais perniciosa, rasteira e traiçoeira do que as "denúncias" de Marcos Valério ou as cretinices sobre o "novo momento" na luta contra a corrupção no Brasil. Essa capa é perigosa porque mente sobre o mundo todo em que a gente vive - um mundo que potencializa psicopatias ao grau epidemia e que, em seguida, descobre algum fármaco capaz de nos "curar" da doença que ele próprio cria e dissemina.

Depressão não é gripe, não é virose, algo que se pega ao acaso e que se pode curar com remédio, cama e repouso. Depressão é o aspecto mais visível de um mundo doente, desumano, desumanizado e desumanizador - um mundo onde a gente tem tarefas, tem metas, precisa correr incansavelmente contra o tempo, mas onde a gente não se enxerga no nosso irmão e onde tudo se mostra esvaziado de significado. Um mundo onde o outro é uma ferramenta, onde eu próprio sou uma ferramenta, onde eu devo sempre me afastar do outro e onde se exige do ser humano, esse animal social por natureza, que coloque a si mesmo não apenas como centro, mas como norte de todas as coisas. Onde a solidão é denominador comum e eu tenho que encher a boca para dizer que eu sou mais eu. Onde tiraram do homem tudo que era chão, tudo que era significado, e substituíram por coisa alguma. Um mundo repleto de estímulos e carente de amor.

Depressão existe há muito tempo, claro. Mas é a epidemia da nossa época. E pretender curar a depressão com uma pílula (e ilustrar isso na capa de revista como algo positivo, uma grande conquista) é promover a continuidade da moléstia e mais, incentivar que ela se multiplique e se torne ainda mais esmagadora e cruel. É incentivar que nos tornemos dependentes de mais uma bengala, de mais um processo químico que alivie a dor da existência insuportável em um mundo cada vez mais insuportável. Isso sem contar que a Veja não teve a ideia da brilhante capa por altruísmo ou qualquer coisa assim: certamente o faz em nome da saúde de seu departamento comercial, já que o comprimido é feito por um laboratório e o laboratório investe grana em publicidade para seus produtos - que nunca curam, apenas promovem um "tratamento" perpétuo. Ou o Prozac curou multidões por aí e só eu não vi?

Cura da depressão? Só mudando bastante coisa no mundo em que a gente vive. Boa parte de suas lógicas, inclusive Botando bem mais afeto e bem menos sucesso na fórmula, por ex. Mas aí ninguém quer, claro - ninguém vai fazer capa dizendo "Bem-sucedidos e infelizes: a epidemia global da depressão" ou qualquer coisa do tipo. Vamos apostar no comprimido, pessoal. Afinal, cada um com sua divindade, não é?

Por isso eu digo: muitas capas da Veja me irritam. De outras, eu só dou risada. Mas essa sim, me deixa muito, muito revoltado. De verdade.

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