Carta aberta dos Funcionários do Cratod a população:
Ao longo da história da humanidade é comum que povos em nome do progresso e desenvolvimento dizimem civilizações e culturas.
Guardadas as devidas proporções, estamos vivendo uma situação parecida no Cratod. Em nome da “internação compulsória” o Cratod foi ocupado dia 21 de janeiro pela secretaria da saúde e teve sua diretora destituída. Essa ocupação ocorreu como se o prédio estivesse vazio, como se não houvesse nenhum profissional já trabalhando, e não existisse um trabalho de anos, como se já não houvesse uma estrutura montada e em bom funcionamento. Seus profissionais foram completamente desconsiderados, seu conhecimento e trabalho ignorados. A nova equipe entra e sai das salas sem se identificar, sem se apresentar como se estivesse na sua casa e não devesse nenhuma explicação. O trabalho existente está sendo desmanchado.
O Centro de Referência com todos os ambulatórios, atendimentos, oficinas de regime intensivo e de semi-intensivo, parcerias com Universidades e capacitações profissionais oferecidas para o Brasil todo foram desconsideradas, como se não importasse realmente. As oficinas existentes foram “suspensas” para podermos dar conta da demanda de internação apenas, sem considerar o tratamento das pessoas dependentes. Nesta hora servimos como mão de obra barata para “tapar buraco”, o qual aliás, sem a avaliação inicial é enorme. Voltou a se fumar nas dependências do prédio, antes pioneiro na lei de proteção ao não fumante, no ambiente livre de tabaco e atendimento ao tabagismo.
Em nenhum momento foi considerada a parceria, ou alguém nos perguntou o que achávamos, o que queríamos, o que pensávamos. A equipe foi considerada, sem julgamento, de incompetente. Infelizmente o funcionário público carrega esse rótulo de incompetente, encostado e vagabundo, mesmo se trabalhos brilhantes são realizados apesar da máquina pública. No serviço público tudo é feito para não funcionar, apesar disso muita gente se esforça e a coisa funciona!
O tratamento ambulatorial visando à reinserção social está sendo gravemente afetado. O prédio reformado e bonito (mérito do Cratod) voltou a ser um centro de internação como há 30 anos, com superlotação. Que retrocesso!
Não vamos nem entrar no mérito da questão se a internação compulsiva … ops “compulsória” é necessária neste momento. Estamos questionando como as coisas estão sendo feitas. Uma equipe que não consegue nem respeitar seus colegas de profissão, conseguirá respeitar a população? Difícil…
O trabalho com dependência química começou aqui há 23 anos quando foi criada uma equipe para trabalhar com os pacientes alcoolistas. Uma médica, muito sensata, formou uma equipe para atender ambulatoriamente os pacientes alcoolistas uma vez que o número de internações dessa população estava crescendo. Iniciou-se o trabalho que aos poucos foi construído baseado no prática e no estudo. A equipe foi crescendo e se aperfeiçoando, o conhecimento se aprimorando. Essa pequena semente vingou, brotou, se transformou numa grande árvore frondosa que dá sombra e frutos. Infelizmente não querem ver isso.
Como centro de referência, o CRATOD atua no tratamento, na formação de recursos humanos, na prevenção.
Criado em 2002, por decreto do então e atual governador Geraldo Alckmin, tem se constituído como um polo formador de recursos humanos especializados para todo o Estado de São Paulo, desenvolvendo e testando tecnologias de atendimento aos dependentes de substâncias psicoativas.
Em relação ao tratamento, semanalmente, passavam (até o início de janeiro de 2013) aproximadamente 450 pacientes no CRATOD nos regimes intensivo, semi-intensivo e não intensivo. Alguns pacientes permaneciam meio período (manhã ou tarde), outros passavam o dia todo e alguns até pernoitavam quando em situação de risco. Temos 10 leitos de observação e pernoite. Atualmente esses leitos são ocupados apenas com pessoas “esperando vagas de internação”. O índice de internação no último ano foi de 4 % dos pacientes e todas foram internações voluntárias. A população atendida é 80% de moradores de rua, e o tratamento viso a recuperação, abstinência e reinserção social.
Ao longo desses anos, o CRATOD teve grande visibilidade na mídia levando o nome do governo e da Secretaria da Saúde a ponto de ser premiado com troféu por ser uma das instituições do governo que mais visibilidade positiva.
O CRATOD foi extremamente importante para a discussão e posterior lei que regula o fumo nos ambientes fechados de uso coletivo. Capacitamos a rede estadual para o atendimento aos tabagistas, além de sermos a Coordenação Estadual para o Controle do tabagismo junto ao INCA.
No papel de centro de referência, reconhecido até fora do país pelas inúmeras visitas de profissionais da área da dependência, também no estado, fomos , por vezes solicitados como supervisores e orientadores de serviços municipais.
No papel de prevenção realizamos, semanalmente, ações de prevenção nas praças públicas, estações de trens e metrôs e outros espaços de grande circulação de pessoas levando informação, distribuição de folhetos, preservativos e aplicando instrumentos validados para o rastreamento de uso de substâncias psicoativas (ASSIST, Fagerstrom). Após a detecção do uso utilizamos a técnica de Intervenção breve e fazemos os devidos encaminhamentos para aqueles que não chegaram, ainda, aos serviços de saúde e que apresenta uso abusivo ou dependência.
Chegou a ora da derrubada. Sem escrúpulos, sem respeito, sem ética, sem consideração . Em nome de saber o que é melhor. Saiam de perto. Madeira…
Equipe do Centro de Referência de Álcool Tabaco e Outras Drogas. CRATOD.
Janeiro de 2013.
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